sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Intervenções

Você sabe o que uma intervenção, Brasil? Sabe, heim? Hum? Responde ae? Ok, eu respondo, olha só, intervenção é quando alguém intervêm (vocês curtiram isso, leitores/traidores imaginários, curtiram aí no facebook). Sim, sim! Intervêm! A arte de intervir está ao alcance de todos nos tempos democraticamente internéticos de hoje, mas... mas... isso não é exclusividade da grande rede, não, não, Brasil, a população (vocês, leitores/traidores imaginários), os que vivem o real, que tomam novalgina até quando têm conjuntivite (novalgina cura tudo) também usam da intervenção na rotina involuntariamente imposta pelas decisões tomadas na juventude. Um exemplo simples: Você está na padaria tomando um cynar (porque todo cidadão de bem tem que tomar um cynar, se não for adepto do cynar você não é cidadão de bem e torrará no inferno), apreciando o elixir que dá sentido a existência você vê a seguinte cena, acidentalmente, o Bill derruba um risoles no chão, ele disfarça, olha de um lado a outro, rapidamente, pega o risoles e o coloca no blends como se nada tivesse acontecido. Vale nota: Blends, palavra que substitui qualquer coisa de difícil definição rápida, logo, se não lembra o nome de um objeto, coisa ou alguém, é um blends. Retomada estratégica, você acabou de ver Bill derrubar um risoles no chão, abaixar, o pegar e colocar no blends para vender, um ser desavisado aproxima-se e pede um risoles “Ô Bill, suavão ae? Desce esse risolão ae, man, na humildade”, como manda a boa conduta, sempre em ressalta neste cultuado, amado, exemplar, calibrado e bonitinho curso, você se levanta, vai até o ser desavisado e o avisa “Ê Tigre, pega esse risolão aí não, tiu! Caiu no chão a parada e o Bill jogou no blends na caruda ó, total mancada, man”, ser desavisado responde “ Fera, valeu o toque, man, ia comer uma pá de bactéria ó, pegar um câncer e os carái”. Isso é uma intervenção, leitores/traidores imaginários. E se era o destino do ser desavisado comer o risoles e morrer de câncer? Como ele mesmo proferiu? Você salvou uma vida e atrapalhou o destino, alterou os planos do universo, essas coisas acontecem o tempo todo em todos os lugares deste mundo e de outros, caso duvide ligue para alguém de Saturno, acontece lá também. Ops! Acabei por me alongar nessa sadia tentativa de expandir seus horizontes, Brasil. Vamos destacar o relato a seguir, que aconteceu em uma madrugada sóbria, sóbria! Dá para acreditar? Estava lá o compositorzinho do coração de todos sentado no último banco de um ônibus vazio, com o olhar vago na janela assistindo a mudança rápida de paisagens da noite paulistana, obviamente variando com a velocidade do coletivo, em mãos apenas um baixo (toco rock nas horas vagas), sim, um baixo, instrumento de trabalho que não dá dinheiro. Uma parada rápida e pimba, sobem algumas pessoas, dei de ombros, continuei a calcular diâmetros do universo (porque já tenho até a cura para o câncer citado anteriormente, pena que ninguém ouve, tsc), ao meu lado, materializa-se uma entidade, com camisa baby look preta em gola V, calça jeans cinza, mizuno no pé, gel no cabelo e um sorriso semelhante a decapitação de um macho pela fêmea louva-a-deus e o ato sonoro “e aí”, achei estranho o ruído vindo do banco ao lado e, categoricamente, ignorei. Claro, com toda a classe que só o Compositor de Boleros têm. A entidade era insistente, Brasil, e novamente “e aí”. Com essa segunda tentativa de comunicação me vi obrigado a reagir, com esforço sobre humano para demonstrar o quão desinteressado estava na entidade (devido ao cansaço do longo dia e ensaio ao final, toco rock nas horas vagas, não me odeie, Brasil), olhei para o lado balancei a cabeça para cima, para baixo e para cima novamente, um breve cumprimento aos entendedores, e voltei ao mantra pelo qual estava entretido, a janela. Sem hesitar, demonstrando interesse pelo meu instrumento o ser continuou “ toca, é?”, aflito com a pergunta, estudei o exemplar de ser humano por uns segundos antes de dizer “Sim, me masturbo diariamente”, o ser humano soltou uma sonora risada “Rar, Rar, Rar, tu é engraçado, Rar, Rar, Rar, tavu falanu du instrumento!”, eu “Ah, sim! Também toco esse”, ele voltou a rir “Rar, Rar, Rar, tu é engraçado, Rar, Rar, Rar. Tu toca na noite? Que estilo tu toca?”, cativado com a contagiante e tremulante risada do ser ao meu lado, resolvi proceder com a conversa travada de forma não espontânea assim “Toco rock”, ele me analisou bem, olhou para a frente e disse “Então tu conhece o Eufredo Garcia, ele toca um rock no meio do show, tipo um Elvis assim, sabe, tipo um rólis, aqueles lá assim, sabe? Conhece Eufredo?”, percebi que estava entrando em um universo totalmente novo, me virei um pouco e respondi “Eufredo Garcia? Não conheço...”, ele “Ah... Não conhece o Eufredo... E o Caruso Silvano? Esse sim tu tem que conhecer, conhece, ?”, mais uma vez “Não conheço...”, ele “Putz... e o Eliano Camargo, aaaaahhhhhh esse tenho certeza que tu conhece, tavu ouvinu nesse instante” e eu “Não, man... não conheço...”, ele já decepcionado “Não conhece Eliano Camargo... Ferreirinha Conceição, e esse, e esse, e esse, dóse o Ferreirinha, dóóóóóseeee”, eu “Desculpa, cara, não conheço o Ferreirinha...” Ele “Ah... Nadira Donato, essa é famosa, apareceu na TV!” eu “Também não...”, ele me olhou com desdém virou-se inteiro para a frente, junto as duas mãos no colo e ficou quieto. Finalmente pude voltar para a minha meditação, cálculos, ensaios mentais até que “Rondonato Angelino, esse sim?” eu “Nossa, também não...” ele “Nem Rondonato...” e “Antoniano Pedroso?” eu “Não, cara...” ele já bem nervoso “Então desculpe a intervenção”, levantou, ajeitou as calças, deu sinal e desceu do ônibus sem se despedir, sem olhar para trás... Atonito com o acontecimento, fiquei a me questionar durante o restante da viagem, em que mundo vivo para não conhecer Rondonato Angelino?